quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Capítulo VI - Por quem se treme



— Linus não ofereceu outra proposta? — perguntou o jovem, descrente.
— Antes de iniciarem a batalha, o oficial supremo de Askalor, Nikoláos, junto com sua guarda pessoal foi ao encontro dele. As linhas dos exércitos já estavam em formação. A conversa seria breve. Linus vestia uma armadura escarlate, e Nikoláos, a armadura com o uniforme da Ordem, a túnica branca com o símbolo de coloração vermelha do meio sol nascente. Ambos montavam cavalos brancos. Quando o general inimigo retirou seu elmo de cornos, os homens ficaram estupefatos e, após um coro de vozes em espanto, silenciaram, pois não podiam acreditar que dentro daquele elmo, um rosto tão nobre, sereno e pacífico estaria empunhando forças contra nosso povo. Seus cabelos prateados e leves como plumas esvoaçavam ao mínimo vento que incidia sobre os líderes. Seu olhar hipnotizava quem o fitava e sua presença impusera respeito a qualquer nobre de Askalor. Seu queixo angulado e perfeitamente barbeado dava impressão que não quebraria nem com o mais forte golpe de uma clava grande. Seu semblante inabalável parecia zombar dos esforços da Ordem. Linus propusera, então, que o exército de Marcus se entregasse sem luta e prometeu que as vítimas da Pestilência Cega seriam curadas.

— E em troca...?
— Em troca do livre acesso para as regiões altas de Vahan.
— Hum... uma proposta aceitável.
— Entregar parte do reino para uma força desconhecida?!
— Velho homem, pense em quantas vidas seriam poupadas!
— Só um tolo acreditaria que forças do Grande Mar permaneceriam em Sieghard sem causar danos a ela! Ou um ignorante.
— Refreie sua língua. Você não está em posição de levantar sua voz! Diga-me, foi esse o pensamento que fez Nikoláos declinar da proposta?
— Nikoláos fez o que deveria ter feito. Mesmo se as intenções de Linus tivessem sido nobres, ele desembarcou sem se importar com as vidas que protegiam nossa costa. Nikoláos previra que quando o inimigo não achasse aurumnigro no Velho Condado, eles partiriam para a rica região de novas minas, Vahan.
— E foi exatamente o que Linus requisitou...
— Para o general, eram muito claras as intenções do inimigo.
— Roubar nosso aurumnigro?
— Assim o pensava.
— Não sabiam os siegardos que caminhavam para uma trágica derrota...
— Se sabiam, não deixaram de lutar com todas as suas forças. Tinham vantagem numérica, mas Linus contava com ajuda de algo muito maior.
— A que você se refere?
— Refiro-me àqueles que acabaram por pesar a balança para o lado deles. Por onde eles passavam, nada sobrevivia. Atacá-los era como se jogar para seu destino. Entre a mistura do cheiro das flores da planície e o de sangue, o cheiro da morte era o único distinguível. Seus poderes não encontravam rival no campo de batalha. Não estou me referindo a um exército particular, e sim a sete criaturas cujos aterrorizantes olhos negros brilhavam como a luz da lua: os Thurayyas.
— Você disse “criaturas”?
— À primeira vista pareciam homens, como os nossos. Debaixo de seus mantos negros, apenas conseguíamos ver seus rostos, que eram humanos. Porém, por dentro daquela carne, existiam feras que só se comparavam às bestas das lendas que assombram nossos sonhos.
— Você conta como se estivesse lá! Que riqueza de detalhes! Sabe me dizer quando eles entraram em cena?
— Na última aurora de batalha, ao toque da segunda trompa, a cavalaria leve de Askalor entrou em ação. Àquela altura, os guerreiros de Kêmen, Tranquilitah e Alódia aguentavam firmes e sem perder a formação. Flanqueando-os, mais um pouco atrás, as setas certeiras de Adaluf caíam com eficácia, um disparo, um corpo inimigo tombado. Sinceramente, parecia que a Ordem venceria, se não fosse pela poderosíssima intervenção deles. Suas mãos brancas disparavam relâmpagos azuis nas mais variadas direções, indo de encontro ao cerne de nossas defesas.
— E os magos de Keishu, nada faziam?
— Aqueles principiantes... Alguns desviavam flechas adversárias por meio de correntes de ar, outros criavam fissuras no chão, ou pequenos tremores de terra, outros ainda incendiavam nossos projéteis de cerco, permitindo uma maior quantidade de dano, mas nada que se comparasse aos desastres que foram presenciados naquelas auroras. A investida lançada pelos Thurayyas foi implacável, incutia medo nos homens, e deixava as montarias em pleno pânico.
— Foi assim que Sieghard percebeu que estava no limiar da derrota?
— O exército pensou que seria possível lidar com aquelas legiões. Ledo engano. Os Thurayyas tiraram deles sua força mais fundamental: as cavalarias. Fulminadas em meio aos relâmpagos, bolas de fogo e projéteis encantados, elas se dispersaram, juntamente com toda a confiança que os unia em torno de um objetivo comum.
— Deixando o moral ao nível do chão...
— Não somente isso. As armadas estavam enfraquecidas, pois as linhas não conseguiam mais manter-se no mesmo plano. As estratégias já não poderiam ser concordes. De um grupo coeso e ordenado, passaram à condição de um monstro de várias cabeças. E, é claro, os gritos de agonia se transformaram em um coro que trespassava seus ouvidos, fazendo-os lembrar vagamente de suas esperanças no começo da batalha, e de como seria jubiloso, ao invés de ouvi-los, entoar os hinos da Ordem como cânticos de sua vitória.
— E Nikoláos, ainda estava vivo a esta altura?
— Sim. Inclusive foi ele quem ordenou que os homens se retirassem daquele campo de sangue. Ainda mais enfraquecidos, muitos soldados foram obrigados, cada um por si, a dar as costas ao inimigo, na tentativa desesperada de tomarem seus rumos em direção a Askalor. Era preciso proteger o rei.
— E todos conseguiram voltar?
— Exatamente neste ponto começa a relação entre você, eu e aquele que assassinei. Sabe bem que nossas ações quase nunca seguem nossas vontades, tornando-nos escravos das circunstâncias. Para um pequeno grupo de siegardos, isso funcionou perfeitamente. Naquele momento não foi possível para eles seguir o percurso da maior parte do exército, aqueles que viriam a se tornar os protagonistas de uma saga que é e ainda há de ser contada por gerações através de lendas seculares, hinos e cantigas de ninar. Certamente morreriam, se não se ocultassem nas providenciais colinas de Bogdana, por entre as relvas. Digo providenciais, uma vez que, a partir dali, a história de Sieghard estava prestes a caminhar por um novo norte.

2 comentários:

Anônimo disse...

Humildemente, acho que esse trecho de conversa postado está muito mecânico e direto. Falta descrição das expressões e gestos dos personagens enquanto falam, deixaria a cena mais natural e daria mais profundidade a eles.

Maretenebrae, um épico por L.P.Faustini e R.M.Pavani disse...

Ei Shallen, salve!
Concordamos com o que disse. Mas idéia sempre foi fazer um diálogo, como os diálogos de platão. Um bate-rebate. Fizemos isso para deixar o foco na conversa, e não nos personagens. Queríamos deixar oculto o comportamento dos personagens na primeira parte do livro e dar toda atenção à conversa (coisa que não acontece em nenhum momento na segunda parte do livro).